Interatividade no audiovisual para além de Black Mirror: Bandersnatch
Você está em uma sala de cinema, a personagem principal do filme está sendo perseguida pelo vilão, ela então encontra um telefone e faz uma ligação. Seu celular toca, ao atender a personagem desesperada te pergunta para qual direção ela deve correr. O público eufórico sugere diferentes caminhos, mas é você quem vai decidir. Você pede para que ela vire à esquerda e a personagem segue sua recomendação para escapar. Pode parecer uma ideia maluca ou até uma experiência que será lançada em 2020, porém isso já aconteceu e foi em 2010, na Alemanha. O filme é o “13th Street Last Call” e a experiência de ir a uma sala de cinema assistir ao filme era exatamente essa como podemos conferir no vídeo abaixo:
O ano era 1878 quando o inglês Eadweard Muybridge fotografa um cavalo em movimento na intenção de provar que todos os quatro cascos do animal deixavam a terra ao mesmo tempo durante o galope e assim ele cria acidentalmente a primeira experiência de imagem em movimento.
Mais tarde (1895) os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière criam L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat (A chegada do trem na estação) entrando para a história como a primeira exibição pública comercial de um filme, aquela mesma na qual os espectadores gritaram e correram para o fundo da sala com medo de que o trem saísse da tela.
Vamos avançar um pouco na história (exageradamente muito, até porque daria para escrever alguns artigos sobre a história do cinema) e estamos em casa com o controle na mão, sentados no sofá assistindo a um filme na Netflix e em um determinado momento você precisa escolher uma opção para decidir o destino do personagem. O filme Black Mirror: Bandersnatch é muito importante. Isso porque é a primeira vez que temos um produto interativo em diversas plataformas diferentes ao mesmo tempo (Smart TVs, computadores, celulares, videogames e outros dispositivos). Mas a Netflix e o diretor David Slade beberam de outras fontes e essa história de cinema interativo não começa aqui.
Seja a cor, o som, o 3D, o 360, se acompanharmos a história do cinema vamos perceber que cada evolução acontece com o propósito de criar uma experiência imersiva. E estamos diante de um momento histórico para o audiovisual.
Games
A ideia de interagir com a história e decidir o destino do personagem não é algo tão novo assim no universo dos games. Entre tantos exemplos, histórias e produtoras, vale o destaque para a Quantic Dream que em 2005 lança o Fahrenheit passando pelos aclamados Heavy Rain, Beyond two souls (este protagonizado pelas estrelas de Hollywood Ellen Page e Willem Dafoe) e o mais recente Detroit: Become human. Verdadeiras obras interativas com diversos caminhos e finais possíveis.
Web
A internet nos apresenta de um modo revolucionário a possibilidade de consumir informação, entretenimento de forma não linear. Embora muitos produtos de entretenimento na web sigam uma linearidade, ela nos permite criar isso e alguns projetos ao longo da história da internet são extremamente relevantes para nos ajudar a entender o cinema interativo.
Sem dúvidas um dos exemplos mais antigos e que ainda está em exibição até hoje é o clipe interativo The Wilderness Downtown do Arcade Fire. Nele é possível informar um endereço e o clipe acontece interagindo com imagens do Google Earth do endereço fornecido.
Também vale a pena destacar o trabalho excepcional do NY Times com o projeto One in 8 Million (esse infelizmente só está disponível pra quem ainda tem uma versão do saudoso Flash Player instalado no desktop). Um documentário interativo que tinha a proposta de contar a história de alguns moradores de Nova Iorque. Era possível selecionar as histórias e assistir em uma ordem não linear.
Nem sempre a interação precisa ser definir o destino de uma história. Em alguns casos a história está sendo contada e o que muda é a sua perspectiva, você decide a sua perspectiva sobre o filme e assim pode-se explorar diversas histórias em uma só. Como é o caso do projeto Through the dark do Hilltop Hoods.
Mobile
Existem algumas experiências focadas nos dispositivos móveis explorando muito mais a questão da perspectiva através de um vídeo 360˚ porém com algumas interações possíveis.
O Google Spotlight Stories é um aplicativo disponível para iOS e Android que conta com um catálogo de histórias interativas em realidade virtual. É possível assistir aos filmes com ou sem óculos VR / Card Board.
Seguindo essa onda podemos encontrar também o projeto The Taylor Swift Experience, um aplicativo para Android e iOS que possibilita explorar o cenário, navegar pelo cômodos da casa de um videoclipe enquanto ele acontece. O app parece não estar mais disponível, mas é possível ver uma prévia de como funcionava através deste link.
Aplicação em produtos digitais
Os vídeos interativos são utilizados atualmente também na criação de produtos digitais. Como é o caso da Google que nas olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, desenvolveu um projeto chamado Rio: Beyond The Map com o objetivo de contar algumas histórias de moradores das favelas cariocas, explorar a cultura dos morros e alguns pontos turísticos da cidade em um tour interativo pelo mapa.
Um dos produtos digitais que merece destaque é da Toro Investimentos, empresa brasileira com sede em Belo Horizonte eleita uma das 12 fintechs de investimentos mais promissoras do mundo pela CBinsights. Através de uma série de cursos interativos é possível aprender sobre investimentos. Este foi um projeto que tive a honra de participar durante a fase de concepção e teste de conceito na Huge Inc. O produto permite que o usuário decida qual contexto faz mais sentido para a sua realidade e também combina recursos como a inserção de valores para calcular uma simulação tornando a experiência totalmente imersiva e personalizada para cada usuário.
Conclusão
Essa história que se inicia no século retrasado nos mostra que o cinema está sempre em evolução, a forma e os meios que utilizamos para contar histórias estão se transformando sempre. Isso não significa que todos os filmes daqui pra frente serão interativos. Existem histórias hoje em dia que são contadas em preto e branco, outras que utilizam realidade virtual, outras que são projetadas em uma tela 360˚, outras em 3D e por aí vai.
Interagir com a história que está sendo contada e transformá-la em uma história única e personalizada é mais uma forma de consumir conteúdo. O importante é que independente do objetivo da história ou de como ela vai ser contada, precisa sempre ser uma boa história. Enfim, gostando ou não de Black Mirror: Bandersnatch, temos que admitir que é uma peça importante para esse momento do audiovisual.
Agradecimento ao Thiago Jansen